A entrevista abaixo foi originalmente publicada no site da Editora Zahar.
Qual o maior desafio de traduzir esse clássico do século de XIX?O estilo Austen é capaz de passar vários parágrafos descrevendo a simples entrada de alguém em um recinto, enumerando cada detalhe, cada sensação, cada movimento. Isso torna o seu texto muito rico, mas também um pouco prolixo, dependendo do trecho: é tudo exaustivamente descrito, explicado, dissecado, e ainda com uma pontuação que muitas vezes parece estranha aos olhos do leitor contemporâneo. Como transpor para o português o máximo desse estilo sem comprometer a fluidez da tradução, considerando que inglês e português são línguas com ritmos tão diferentes? Esse foi o maior desafio. A recriação do contexto da época, inclusive nos diálogos, também foi uma preocupação constante. Além da edição em inglês que serviu de original, da Penguin, a tradução francesa de André Belamich ajudou bastante a encontrar a melhor solução para os trechos mais delicados.
E em relação às notas? Que detalhes foram destacados?
“Persuasão” é um romance bem “limpo”, intimista, sem muitas referências a fatos reais ou personagens históricos. Consequentemente, poucas notas se fizeram necessárias. Tomei cuidado para não ultrapassar a tênue fronteira entre notas e explicação de texto. O critério foi incluir notas que auxiliassem na compreensão do texto pelo leitor e enriquecessem a leitura, ou seja, para explicar referências específicas à cultura e aos costumes ingleses da época, bem como referências históricas e geográficas. Usei como referência as edições anotadas de língua inglesa e francesa.
A obra é seguida de duas novelas inéditas em português, o que destacaria nesses dois textos?
Gostei imensamente de “Lady Susan”. Austen se aventura no romance epistolar (ou melhor, no “conto epistolar”) com muita ironia e uma narrativa bem amarrada, que prende a atenção do leitor. Sua protagonista não fica nada a dever à Mme. de Merteuil de Laclos, e no final eu já não sabia por quem torcer, se por ela, pelas pobres “vítimas” da sua perfídia, ou pelos íntegros personagens que passam o conto inteiro tentando desmascará-la. Terminadas a leitura e tradução do conto, logo depois de “Persuasão”, fiquei com a impressão de que Austen tinha pego o sr. Elliot e a sra. Clay de “Persuasão”, misturado bem, e obtido como resultado Lady Susan (mas sei que não foi assim, pois o conto é possivelmente anterior ao romance). “Jack e Alice” também é bastante irônico, além um tanto fantasioso. Foi interessante descobrir uma história tão farcesca escrita por uma autora cujos romances principais são tão realistas, e também constatar que, mesmo muito jovem, ela já era dona de um olhar arguto e de um fino humor para descrever as interações sociais inglesas de sua época.
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