Estudos
O cotidiano de Emma
Alan Daniel Freire de Lacerda*É Jane Austen uma socióloga disfarçada de escritora? A indagação surge muito a propósito após a leitura de Emma, um dos romances que reputo geniais da inglesa. Costuma-se dizer que o personagem principal do mais conhecido romance de Aluísio de Azevedo é o próprio cortiço retratado na obra e motivo do título. Highbury, a interiorana vila onde se dá todo o enredo de Emma, não chega a tirar da heroína a condição de personagem principal, mas figura imponente no texto apesar de sua pequenez.A sociologia no texto austeniano não está tanto em grandes temas como distribuição de renda e classes sociais. Está, sobretudo, na atribuição de voz à comunidade de Highbury e na dissecação de assuntos do dia-a-dia da comunidade. Como Adela Pinch judiciosamente nota em sua introdução à edição de Emma da Oxford World’s Classics, Austen inventa novas maneiras de representar as vozes e pensamentos dos personagens. Frequentemente ela usa o termo every body para denotar impressões e fofocas que estão circulando na vila, sem lhes dar um autor. Por exemplo, é um fato reconhecido por “todos” que a loja de Ford é a melhor da vila e o objeto de compras quase diárias por parte de todos os personagens. Bailes e opiniões são propostos também como objeto de consenso sem que tenham partido de um personagem em particular.Usando magistralmente várias técnicas narrativas, entre elas o discurso livre indireto, Jane Austen consegue dar esse sentimento de autenticidade e de proximidade que tanto a faz popular entre leitores e críticos. O discurso livre indireto permite que o autor exiba falas e pensamentos dos personagens em terceira pessoa como se eles próprios estivessem falando e pensando diretamente ao leitor. No caso de Emma, a técnica é usada tanto para personagens específicos como para os rumores de Highbury.Uma passagem famosa com essa técnica, e relacionada à dinâmica social de Highbury, está no capítulo 9 do volume 2. Emma observa a parte mais movimentada da vila enquanto espera Harriet que está a fazer compras na loja de Ford. Sem esperar muito a respeito do que irá ver, Emma imagina em sua mente o previsível cotidiano: o Sr. Perry andando apressadamente, o Sr. Cox entrando em seu escritório, os cavalos do Sr. Cole retornando do exercício ou um rapaz carteiro em cima de uma mula teimosa. Esses pensamentos são sucedidos pelo que de fato chega à visão da personagem principal: um açougueiro com sua bandeja, uma velha senhora bem vestida voltando para casa com a cesta cheia de produtos, dois cachorros brigando por um osso sujo, e crianças levadas olhando com gula os produtos do padeiro. Mesmo Highbury, com toda a sua hierarquia social e coesão interna, oferece pedaços do imprevisível em seu cotidiano comezinho. Emma consegue inclusive divertir-se com o que vê.Muito se comenta sobre o quão restrita é a vida de Emma, uma garota obviamente vivaz e culta, além de rica, em uma vila aparentemente tão tacanha quanto Highbury. Sua desastrada carreira como casamenteira seria uma espécie de válvula de escape para ela. Minha própria opinião é que todos os seus esforços, por mais que sejam mal-orientados em alguns momentos, são evidência de mérito. Eles mostram que Emma consegue definir objetivos para sua vida e encarar a própria vila com divertimento apesar de tudo. Esses esforços, combinados ao aprendizado de Emma sobre seus próprios limites, justificam o destino final conferido por Austen a sua heroína.
Raquel de Queiróz e a tradução de Mansfield Park
Jane Austen é merecidamente reconhecida como uma das mais célebres escritoras inglesas. Sua obra foi traduzida em vários países ao redor do mundo e recebeu diversas adaptações para o cinema, o teatro e a TV, tornando a escritora ainda mais famosa. Pessoas das mais diversas culturas, línguas e credos reverenciam seus livros e mantém aceso o interesse por tudo o que lhes dizem respeito.
Os fãs brasileiros de Jane Austen podem contar com traduções feitas para o português de suas seis principais obras. Contudo, há tempos que alguns destes livros andam ausentes das prateleiras de livrarias e sebos brasileiros. Recentemente, algumas editoras brasileiras vêm se ocupando com novas publicações da obra de Jane Austen. Resta-nos esperar que também se faça uma tradução para os livros da fase “Juvenilha”, ainda inéditos em publicações no Brasil. Este torna-se, portanto, um momento propício para uma reflexão sobre o árduo ofício da tradução.Existe uma famosa frase que diz ser a História “filha de seu tempo”, ou seja, a escrita da história é um produto da vivência daqueles que a escrevem e do período no qual estes estão inseridos. O mesmo pode ser dito em relação às traduções literárias. Estas também são “filhas de seu tempo”. É uma ilusão acreditar que as traduções literárias são, puramente, versões literais de uma dada obra, reescritas em outros idiomas. Traduções literais podem parecer, à primeira vista, a forma ideal para uma tradução. Contudo, isso não é possível. Cada idioma possui suas peculiaridades, e, por vezes, estas são incompreensíveis quando transportadas para outros idiomas. Além disso, existem expressões idiomáticas que são culturalmente entendidas por uma dada sociedade, mas se tornam incompreensíveis quando traduzidas para outra língua, o que implica também em culturas diversas, ou seja, estrangeiras. Outro aspecto importante não pode ser relevado ao tratarmos de traduções: as escolhas particulares realizadas pelo tradutor diante do texto original.Em trabalho acadêmico realizado por estudantes do bacharelado em Letras da Faculdade Federal de Juiz de Fora (UFJF) foi analisada a tradução de Raquel de Queiroz para o livro Mansfield Park, da escritora Jane Austen. Além de seu próprio trabalho como escritora, Raquel de Queiroz realizou diversas traduções. Mansfield Park, publicado no Brasil no ano de 1942, foi seu 4º. trabalho de tradução (sendo 47 no total). De acordo com o artigo “Raquel de Queiroz e a tradução na década de 40 do século XX”, escrito por Priscilla Pellegrino de Oliveira e Maria Clara Castellões de Oliveira, a tradução de Mansfied Park, possui implicações próprias da época em que foi produzida, e escolhas estilísticas que, de certo modo, interferem no texto original escrito pela escritora inglesa.Tal tradução se deu no âmbito do Estado Novo, período autoritário do Governo Vargas, em que os meios de comunicação – entre eles, o meio editorial – eram fortemente controlados pelo Estado. Entre as diversas traduções realizadas por Queiroz observa-se a preponderância de obras com temática feminina, além de muitas obras escritas por mulheres. Algo que não deixa de refletir o momento de conquistas femininas no governo Vargas, com destaque para o direito da mulher ao voto. Não obstante, Fanny Price, a protagonista de Mansfield Park, ser considerada a mais submissa das protagonistas austeanas.Segundo Priscilla Pellegrino e Maria Clara Castellões, ao trazer o romance de Austen para a língua portuguesa, Raquel de Queiroz utilizou-se de “estrangeirismos”, ou seja, conservou determinados termos de língua inglesa, como os títulos Sir, Mr e Gentleman, assim como também deixou, em alguns momentos, trechos inteiros sem tradução, sem sequer criar notas de rodapé. Todavia, na maior parte do texto, Queiroz optou por uma tradução que fizesse com que o texto parecesse ter sido produzido originalmente em língua portuguesa. Esta escolha implicou, por vezes, na substituição de expressões próprias da língua inglesa por expressões próprias da língua portuguesa, no intuito de proporcionar maior fluência aos leitores brasileiros. Em outros momentos, frases inteiras foram suprimidas na tradução. Um bom exemplo é a frase she could not to be thankful (algo como ela não poderia fazer coisa alguma senão agradecer), que foi traduzida simplesmente por: ficou agradecida.A conclusão é que Raquel de Queiroz optou por fazer uma tradução mais idiomática do que literal. Nas palavras das autoras do artigo aqui comentado, Queiroz “forneceu ao público-leitor uma visão do estilo da autora britânica que não condiz com aquele que é percebido quando o texto é lido em seu original em língua inglesa”. Entretanto, nada disso diminui os méritos que de tal tradução, que ajudou milhares de leitores não familiarizados com a língua inglesa a terem acesso a mais uma das obras de Jane Austen. Se as adaptações feitas por Raquel de Queiroz alteraram o sentido de algumas frases, elas de modo algum alteram o sentido original da obra. A essência do texto manteve-se inalterada, sem maiores prejuízos para o leitor brasileiro.Voltando às nossas considerações iniciais, podemos dizer que o tradutor se torna, também, um pouco pai do texto traduzido, deixando sua própria marca em algo que, apesar de não lhe pertencer originalmente, possui muito de si próprio.(Para conferir o artigo “Raquel de Queiroz e a tradução na década de 40 do século XX” de autoria de Priscilla Pellegrino de Oliviera e Maria Clara Castellões de Oliveira ver o artigo completo)
Exposição em Nova York
O post de hoje é uma sugestão da Poliana! thanks dear!
Só de assistir a exibição on line da exposição na Morgan Library, já se percebe ser uma experiência única entrar em contato com o universo de Austen, mais ainda poder ver de perto seus manuscritos, ler suas cartas pessoais, conhecer, enfim, seus pensamentos e como ela percebia o mundo ao seu redor.Como bem observou um dos entrevistados, no vídeo dedicado à exposição, até mesmo uma lista de compras de Austen deve ser interessante de ler, pois mesmo suas cartas pessoais, seus comentários, conselhos, pensamentos, tudo o que ela escrevia, à irmã Cassandra e à sobrinha Fanny, em especial, eram de uma profundidade e uma perspicácia quanto ao comportamento e sentimentos humanos que mereceriam ser publicados, tal qual uma obra literária propriamente dita. E isso o que mais me impressionou, ao assistir on line a exposição.Também, não há quem não ressalte a inteligência e a elegância de Austen, o que se pode ver até mesmo por sua caligrafia.É de tirar o fôlego, enfim. E só digo que gostaria imensamente de ter sido um dos privilegiados que puderam efetivamente pegar os manuscritos de Jane e lê-los, para sentir – usando as palavras de um desses privilegiados – a experiência de escrevê-los, transportando-se, pois, para o corpo, a visão e a percepção de Austen.
Assista ao vídeo The Divine Jane – reflections on Austen:
Friday, November 20, 7 p.m.
Family Program – Winter Family Day Celebration
Sunday, December 6, 2–5 p.m.
Lecture – A preview of MASTERPIECE Classic’s Emma
Wednesday, January 20, 2010, 6:30 p.m.
Film – Pride and Prejudice
Sunday, January 24, 2010, 2 p.m.
Lecture – From Gothic to Graphic: Adapting Jane Austen Novels
Tuesday, January 26, 2010, 6:30 p.m.
Reading Jane Austen
Pride and Prejudice – Wednesday, January 27, 2010, 3–4:30 p.m.
Emma – Wednesday, February 10, 2010
Persuasion – Wednesday, February 24, 2010
Film
Sense and Sensibility – Friday, February 12, 2010, 7 p.m.
Gallery Talk
A Woman’s Wit: Jane Austen’s Life and Legacy
Friday, February 26, 2010, 7 p.m.
A Leitura e os Leitores em Jane Austen
Aclamada pela descrição que faz da sociedade de sua época, pela força de sua narrativa e pela interação entre as personagens, ganhando a admiração de leitores e críticos desde a publicação de seu primeiro romance até os dias de hoje, Jane Austen escreveu, além de alguns trabalhos menores, seis dos mais importantes romances da literatura inglesa.
Apesar da existência de uma vasta literatura sobre a obra da autora, uma questão passou ao largo da crítica: a presença da leitura em sua ficção. Antes mesmo de ser escritora, Jane Austen sempre foi uma ávida leitora e faz uso deste conhecimento em todos os romances, seja por meio de alusões a outras obras de ficção e não-ficção de vários gêneros distintos através da voz de seus narradores ou personagens, seja pela menção direta a nomes de romancistas, poetas, dramaturgos e outros escritores. Porém, o que chama atenção em seus romances não é somente este diálogo que Jane Austen estabelece com seus antecessores ou contemporâneos. Há algo de grande relevância na caracterização de suas personagens que merece uma atenção específica: sua atividade como leitores. O objetivo desta dissertação é verificar que noções de leitura e de leitor são figuradas por Jane Austen em dois de seusromances mais representativos desse tema: Northanger Abbey e Mansfield Park.
Conversa entre autoras
– Uma rosa informal (Iris Murdoch)
Detalhes:
Título: Imaginando Personagens
Número de páginas: 348
Editora: Civilização Brasileira
Edição: 2002
Valor: 43,00 (Livraria Cultura, Livraria da Travessa e Submarino) – novos
14,00 a 35,00 (Estante Virtual) – usados




