Austen Power

Michael J. Fressola fala da exposição no The Morgan Library & Museum (veja aqui o post que fiz) em um artigo para um jornal de Staten Island (um dos grades boroughs de Nova York). O artigo começa assim: A economia deve melhorar, a campanha no Afganistão deve dar resultados, a tecnologia verde (ou preocupação com o planeta) deve conter as mudanças climáticas, as redes de televisão devem sobrevivem. Quem sabe…
Mas de uma coisa estou certo: teremos mais Jane Austen no futuro. Mais e mais… Austen, assim como Dickens e Shakespeare e outros autores, são um recurso renovável sem fim.
Seus livros ainda são comprados, lidos e amados. Parecem ser indispensáveis para o cinema e a televisão contemporâneos: eles são refeitos, revisados e estão sempre lançando novas versões.
Michael menciona que nos últimos quinze anos, desde Razão e Sensibilidade (1995) são realizados filmes e séries com bastatne êxito, inclusive até cita a versão indiana Bride and Prejudice.
Além dos filmes e séries para tv, Michael também menciona os mash-ups: Pride and Prejudice and Zombies, Sense and Sensibility with Sea-monsters e os sucessos como The Jane Austen Book Club, Bridget Jones’s Diary.
Falando de fatos mais concretos, Michael sugere uma visita ao the Morgan Library & Museum para todos verem de perto as cartas e manuscritos de Austen.  Diz também que mesmo nos domingos à tarde e nos dias chuvosos (considerados dias incomuns para uma visita) encontramos a galeria do Morgan cheia de admiradores de Austen, de todas as idades, gêneros e raças.
As paredes estão cheias de ilustrações e quadrinhos, mapas e edições raras dos livros de Austen. Além de ilustrações hilárias de Isabel Bishop (prometo fazer um post sobre ela).  Michael encerra o artigo falando das maravilhas da exposição e deixa uma pergunta: Quem você convidaria para uma festa se a convidada de honra fosse Jane Austen? O autor sugere que de um leque de oportunidades Freud seria uma idéia interessante! Mas concorda que Fran Leibowitz é a melhor resposta – ela tentaria ficar com Jane só para ela! E você o que acha?
Um pouco mais sobre a exposição da The Morgan Library:
Créditos das fotos: Annie Sciacca – NYnews

Jane Austen, Adaptação e Ironia

Queridos Leitores, e eis que em uma bela manhã de sábado eu recebo através dos correios um envelope vindo de João Pessoa/PB!!
Para minha felicidade, a prof. Genilda Azerêdo me enviou seu livro ‘Jane Austen, Adaptação e Ironia: uma introdução’! Fiquei maravilhada, igual criança em noite de Natal! Quando abri o livro ainda fiquei mais surpresa: uma dedicatória de Genilda! Segundo a autora, quem se interessar pelo livro, pode encomendá-lo à Casa doLivro – Editora da UFPB / João Pessoa. Ou se tiver alguma dúvida, deixe seu recado aqui no blog que enviarei à Genilda.
O livro contém :

– Apresentação
– Prefácio
– Capítulo 1: Jane Austen: a razão do meu afeto
– Capítulo 2: Emma: “Uma heroína que não será amada”
– Capítulo 3: Jane Auten, adaptação e ironia: leitura introdutória de Emma
– Capítulo 4: Distinções de classe e ironia: a adaptação inglesa de Emma
– Capítulo 5: Emma e Patricinhas de Bervely Hills: relações irônicas
– Capítulo 6: O diário de Bridget Jones e as Primeiras Impressões de Jane Austen
– Capítulo 7: Jane Auten, quality television and irony: a reading of Emma and Persuasion
Pelo que vocês podem ler acima, tenho muito material para leitura e deleite nos próximos dias!!
Obrigada pelo mimo Genilda!!

Hollywood sem beijo

Por Genilda Azerêdo*

Orgulho e Preconceito – Hollywood sem beijo**

Sempre que uma nova adaptação de Jane Austen aparece – e esta é a oitava de 1995 para cá – somos induzidos a (mais uma vez) questionar o que há em seus romances, publicados entre 1811 e 1817, que ainda pode atrair a atenção do espectador do século XXI. No caso desta mais recente adaptação, Orgulho e Preconceito, baseada no romance homônimo, a expectativa talvez ainda tenha sido maior, uma vez que se trata do romance mais lido e amado da autora.A própria Jane Austen referiu-se a Elizabeth Bennet, a protagonista do romance, como “uma criatura adorável, como jamais aparecera na literatura (…)”. E confessou: “Não sei como serei capaz de tolerar aqueles que não gostem dela”. De fato, Elizabeth é a mais famosa das protagonistas de Austen, uma personagem que combina inteligência e senso de humor, sensibilidade, vivacidade e rebeldia. Como se sabe, todas as narrativas de Austen constituem pretextos para que suas protagonistas amadureçam emocionalmente, passem de um estado de ignorância a um estado de consciência e conhecimento. No caso de Orgulho e Preconceito, no entanto, tem-se, de início, a impressão (o que não se concretiza), que Lizzy já é madura o suficiente, tornando tal processo esvaziado de função. De modo geral, é o personagem masculino central aquele que contribui para este crescimento emocional e afetivo da heroína. Porém, neste romance, é interessante ver como o processo de conscientização e amadurecimento se dá de forma dupla: ambos Lizzy e Darcy não só vivenciam um processo de aprendizagem, mas gradualmente ensinam um ao outro. Talvez este aspecto seja responsável por fazer deste o mais famoso par amoroso de Austen. E não fosse por outros aspectos do romance, que faz um registro dos costumes e valores da sociedade pré-vitoriana, e uma crítica social contundente à dependência que aquela mulher tinha do casamento, como único meio de sobrevivência (material e emocional), bem como aos efeitos decorrentes dos conflitos entre classes sociais, da hipocrisia e da aparência, só a história de Lizzy e Darcy já justificaria uma adaptação.O título do romance já se oferece como primeira possibilidade de compreensão da narrativa: se Darcy é imediatamente considerado por todos como orgulhoso e arrogante, Lizzy (embora se considere lúcida) não se contém em seus pré-julgamentos em relação a ele. Mas a associação não se dá deste modo único: Lizzy também tem seu orgulho abalado (lembremo-nos de uma fala sua, quando diz, “eu poderia até perdoar sua vaidade, se ele não tivesse ferido a minha”); por outro lado, o pré-conceito inicial que Darcy tem em relação à família de Lizzy vai aos poucos se materializando, de modo que o “orgulho” e o “preconceito” do título não ocupam posições estáveis, mas ambíguas. Na verdade, estabilidade é uma palavra que não combina com Jane Austen. Embora suas narrativas sejam “limitadas” a um universo principalmente feminino e doméstico, e suas temáticas focalizem a importância do casamento como único meio de sobrevivência e estabilidade para a mulher, a questão é tratada de forma tensa, a ponto de fazer com que Lizzy recuse a proposta de casamento de Mr. Collins e a primeira proposta de Darcy, algo até certo ponto inconcebível, quando pensamos na realidade de penúria que a espera. Ou seja, ao mesmo tempo em que a narrativa revela a centralidade do casamento e a importância de uma vida familiar estável naquele tipo de sociedade, ela também mostra representações variadas de casamento, além de sugerir que algo maior – além da conveniência e sobrevivência material – deve fundamentar a escolha e a decisão, ao menos, dos pares centrais.Orgulho e Preconceito já foi adaptado anteriormente, inclusive mais de uma vez. Como filme, há uma versão de 1940. Como série da BBC/A&E, foi adaptado em 1979 e em 1995 (esta, embora série, foi filmada em película). Esta mais recente adaptação (2005; dir. Joe Wright, com roteiro de Deborah Moggach) traz uma diferença bastante significativa em relação às outras adaptações de Austen: uma ênfase maior na visualidade do meio rural (animais e trabalhadores rurais são mostrados), com o propósito de não apenas situar a história no countryside inglês pré-industrial, mas de indiciar esse meio como contexto comercial e econômico daquele grupo social.No início do filme, acompanhamos Elizabeth (que caminha com um livro na mão) pelos arredores da casa, e depois pelo seu interior. À medida que nos familiarizamos com sua casa e sua família, já nos damos conta da cumplicidade existente entre ela e Jane, de um lado, e entre ela e o pai, de outro. Esta cumplicidade é relevante para traçar limites entre duas formas de se relacionar com o mundo: uma altamente pragmática, que visa uma sobrevivência imediata (representada principalmente pela mãe e pelas filhas mais novas); outra mais racional e equilibrada, porque também fundamentada na sensibilidade.A cumplicidade entre essas duas irmãs mais velhas será dramatizada no decorrer do filme, como, por exemplo, numa cena no quarto, mais especificamente na cama, antes de dormirem, em que apenas seus rostos ficam à mostra, e elas conversam como confidentes e grandes companheiras. Essa amizade de irmãs, neste filme, se coaduna com o tratamento da questão não só em Razão e Sensibilidade (uma narrativa essencialmente de irmãs), mas também na adaptação de Mansfield Park (com o título, no Brasil, de Palácio das Ilusões).

Ao contrário de outras adaptações de Austen, em Orgulho e Preconceito as músicas e as danças são festivas e alegres, algo que se alinha com certa leveza da narrativa (em oposição, por exemplo, às narrativas de Razão e Sensibilidade, Persuasão ou Palácio das Ilusões). O ritmo da música (e, conseqüentemente, da dança), no entanto, muda quando Lizzy e Darcy dançam. O contraste com as danças anteriores fica explícito. O ritmo mais lento possibilita que conversem; a câmera se demora nos dois, já que precisam ser revelados (não só um ao outro, mas ao espectador). Por um momento, inclusive, cria-se a ilusão de que apenas os dois rodopiam no salão, o que mostra a função da dança como ritual erótico.De modo geral, ainda que em determinados momentos haja exagero (Mr. Collins, por exemplo, soa caricatural), o filme consegue refletir temáticas relevantes da narrativa de Austen; consegue, ainda, em determinadas cenas, uma tonalidade de humor e ironia característica da autora.

No entanto, na tentativa de atrair um público ávido por histórias de amor (e a narrativa romântica é mais facilmente adaptável – ou transferível para a tela – que a crítica social, principalmente quando consideramos o estilo altamente irônico de Austen), esta adaptação também acaba por se definir como “hollywoodiana”, principalmente no tratamento que dá à relação entre Lizzy e Darcy.Para ilustrar a ênfase na relação romântica, tomemos como exemplo as duas cenas em que Darcy se declara a Lizzy. Em Austen, é comum o narrador fazer uso de narração sumária, ou do discurso indireto, exatamente como estratégias para a criação de um distanciamento, para a quebra ou diluição da emoção, em momentos de grande densidade dramática. É o caso no que diz respeito ao desenvolvimento gradual da relação afetiva entre Lizzy e Darcy. Mas não só isso. No romance, na primeira vez em que Darcy declara seu amor a Lizzy, eles estão dentro de casa. No filme, como era de se esperar, há não só a dramatização do diálogo (“showing” em vez de “telling”) e o deslocamento espacial, na medida em que a cena acontece ao ar livre, mas também a utilização de um contexto de trovões e chuva forte, além de uma música que adensa a carga (melo)dramática da situação, o que acaba culminando num imenso clichê romântico.A segunda cena, quando os mal-entendidos entre eles já foram esclarecidos, e Darcy novamente renova seu sentimento por Lizzy, também chama a atenção em termos de construção visual. Aqui, como no romance, o encontro se dá ao ar livre. No entanto, diferentemente do romance, o encontro entre eles se dá de madrugada, algo impensável para aquele contexto pré-vitoriano, principalmente quando consideramos os personagens envolvidos (protagonistas, e, portanto, guiados por certas regras de conduta e racionalidade). É claro que, mais uma vez, a utilização desse espaço acentua a carga dramática (tornando-a romântica) da situação e cria um deslocamento em relação ao contexto de Austen.

A fotografia nesta cena – marcadamente escura, nebulosa, uma escuridão inclusive acentuada pelas vestimentas escuras de ambos – acaba por remeter a um contexto posterior, vitoriano, sendo bem mais adequada aos arroubos e romantismo das irmãs Brontës, por exemplo, que a contenção de Austen. Esses recortes servem para mostrar a escolha ideológica por trás da adaptação. Se, como diz Dudley Andrew, “adaptação é apropriação de significado de um texto anterior” (e um texto pode ter significados variados, ficando a critério do cineasta e roteirista dar maior visibilidade a um ou a outro), fica evidente que a escolha empreendida, neste caso, tentou conciliar a crítica social de Austen à história pessoal de Lizzy e Darcy; porém, ao romantizar (principalmente em termos visuais) a narrativa privada, o filme perdeu a chance de, por exemplo, aprofundar as relações inseparáveis entre o público e o privado em Austen. No entanto, talvez como certo consolo, o final do filme acaba por resgatar, mais uma vez, a tonalidade contida de Austen, através da ausência do beijo e da conclusão do filme sem a cena do(s) casamento(s). De modo que talvez a melhor definição para esta adaptação seja “Hollywood sem beijo”.
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* A prof. Dra. Genilda Azerêdo é professora do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Federal da Paraíba, onde atua nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Letras. É mestre em Literatura Anglo Americana (Dissertação sobre Virginia Wolf) e Doutroa em Literaturas de Língua Inglesa (com tese sobre as relações entre literatura e cinema, especificamente as adaptações de Obras de Jane Auten).

** Este artigo foi gentilmente cedido pela amiga Genilda Azerêdo, tendo sido publicado inicialmente em revista acadêmica e no blog Correio das Artes. Originalmente, o artigo não possui as imagens acima, sendo de minha responsabilidade adição das mesmas.
*** Posteriormente publicarei mais sobre as pesquisas e trabalho de Genilda Azerêdo, aguardem!