Gazeta de Longbourn Apresenta: A Truth Universally Acknowledged

A erudite collection of essays considers Jane Austen’s lasting influence and popularity in literary circles as well as her work’s reflection of humanity, in an anthology that includes pieces by such writers as Virginia Woolf, C. S. Lewis and E. M. Forster.

Fazia tempo que eu andava atrás desse livro, acho que praticamente desde de sua publicação, ainda que eu tenha demorado um bocado para consegui-lo… A sinopse pode ser resumida pelo subtítulo: trinta e três ensaios de autores consagrados e outros menos conhecidos (pelo menos aqui no Brasil) falando sobre Jane Austen e sua obra.

Gosto muito de crítica literária e tenho vários livros de ensaio nesse estilo – e não apenas sobre Jane Austen. Nem sempre, contudo, são volumes que acrescentam alguma coisa ao nosso conhecimento – há muitos volumes que servem mais como curiosidade biográfica. A Truth Universally Acknowledged foi assim uma grata surpresa, não apenas pela qualidade dos debates a que se propõem os autores, mas também pela regularidade dos ensaios, que são todos muito bons ou excelentes.

Há nomes que são conhecidos da crítica, como Harold Bloom e Virginia Woolf e outros que me pegaram desprevenida, como C. S. Lewis, o autor de As Crônicas de Nárnia. Há reflexões e novas interpretações de personagens e situações presentes em todos romances (o que é também algo surpreendente, visto que na maioria das vezes povo só se concentra em Orgulho e Preconceito), e também relatos autobiográficos que revelam a importância de Austen na vida desses autores. Fala-se dos livros, mas também dos filmes e séries, e dos leitores e fãs.

Eu já conhecia alguns dos ensaios presentes na coletânea de outras leituras – o capítulo de Bloom sobre Persuasão, por exemplo, está em O Cânone Ocidental. Creio que com alguma paciência seja possível encontrar a maioria dos ensaios em outros livros ou até na própria internet. A idéia de compilá-los, contudo, num único lugar, certamente ajuda na hora de buscar um volume de referência. E A Truth Universally Acknowledged é uma obra de referência por excelência, que todo janeite tem de ter na biblioteca para ler e reler sempre que possível.


A Coruja

Gazeta de Longbourn Apresenta: Mansfield Park

Deixe que outras penas se ocupem com culpa e miséria.

Esse ano comemoramos o bicentenário de publicação de mais uma obra da tia Jane e claro que eu não poderia deixar de falar sobre o assunto. Mansfield Park não é meu livro favorito dos romances de Austen, mas depois de muitas leituras e releituras e debates, acho que hoje consigo entender melhor e gostar mais de Fanny Price.

Mansfield Park é talvez o mais próximo de um conto de fadas que Austen chegou: Fanny Price é acolhida pelos tios ricos, ainda criança, para tirar um pouco do peso dos pais pobres. Levada para a majestosa Mansfield, é criada lado a lado com os primos, embora sempre lembrada de que não faz parte originalmente daquele mundo.

Há uma tia fazendo as vezes de madrasta má, duas primas para serem as meio-irmãs da Cinderela e até um príncipe encantado (que pode ou não vir acompanhado do cavalo branco). As semelhanças, contudo, terminam por aí.

Fanny não é exatamente uma princesa levada pelas correntes, completamente desarmada e pronta para ser levada no cavalo branco. Ela tem uma saúde delicada e é um tanto indefesa frente a Mrs. Norris (que é sem dúvida a mais detestável de todas as personagens criadas pelo gênio austeniano) – mas ainda assim, Fanny não é boba, nem se deixa convencer daquilo que acredita não ser certo. Ela é constante, nunca desvia de seus princípios, não importa o tipo de pressão que receba. Em termos de caráter, comparado com todos os outros personagens da história, ela é certamente admirável.

Mas essa força é também sua principal fraqueza – ao menos a meu ver. Tenho às vezes a impressão de que Austen a fez perfeita demais e que no alto de sua fortitude moral, Fanny está sempre julgando e desdenhando as escolhas dos outros. Para ser bastante sincera, só consigo simpatizar com Fanny a partir do momento em que a vemos ao lado do irmão, William, porque só então ela parece descer de seu pedestal de retitude.

Demorei um tanto mais a gostar de Edmund, que faz as vezes de mocinho. Há dois motivos para isso: primeiro, Edmund, como primo de Fanny e tendo crescido ao lado dela, enxerga-a inicialmente como uma irmã e sua mudança de sentimentos me soa um tanto brusca; segundo porque em comparação com o arrojado e charmoso Henry Crawford, Edmund não é exatamente material para príncipe encantado.

Mas aí está a grande sacada de Austen, que é a forma como ela brinca com as nossas expectativas. Mansfield Park tem toda a estrutura do conto de fadas, mas a resolução da história está longe de seguir o padrão. Fanny escolhe não o final de princesa ambiguamente ‘felizes para sempre’ (e príncipes de contos de fadas me dão arrepios de desgosto e desconfiança), mas sim a vida real, o companheirismo, o conforto daquilo que já lhe é familiar.

Partindo dessa premissa, na minha quarta ou quinta releitura do livro (perdi a conta a essas alturas), sou capaz de simpatizar bem mais com Fanny do que quando tive meu primeiro contato com ela. Ainda não é meu título favorito dos romances de Austen, mas aprendi a gostar dele.

Gazeta de Longbourn Apresenta: The Jane Austen Handbook

How to explain the sheer tingling joy one experiences when two interesting, complex, and occasionally aggravating characters have at last settled their misunderstandings and will live happily ever after, no matter what travails life might throw in their path, because Jane Austen said they will, and that’s that? How to describe the exhilaration of being caught up in an unknown but glamorous world of balls and gowns and rides in open carriages with handsome young men? How to explain that the best part of Jane Austen’s world is that sudden recognition that the characters are just like you?

Quando tivemos o Encontro Nacional da JASBRA, ano passado, para celebrar o bicentenário de Orgulho e Preconceito, a Adriana Zardini citou esse livro na palestra dela. Óbvio e ululante, tão logo cheguei em casa, coloquei-o na minha lista e pouco tempo depois, tendo encontrado o bendito numa prateleira da Livraria Cultura, meti-o debaixo do braço e o trouxe para casa.

The Jane Austen Handbook é um livro interessante para quem quer entender um pouco mais do contexto da época em que os romances da tia Jane se passam. Você pode lê-lo de uma capa ou outra – e é uma leitura bem divertida – ou pode pular capítulos, usando-o como um guia de maneiras ou uma enciclopédia, de acordo com os aspectos que você queira estudar.

Os capítulos são curtos e variam desde conselhos sobre como se vestir durante o dia até regras para se fazer a corte. Há um bom glossário para entender certas palavras e conceitos que não temos hoje em dia; acompanhado de ilustrações e pequenas inserções explicando detalhes como o motivo de Mr. Collins ser herdeiro de Longbourn.

E tudo é escrito com muito bom humor e várias referências a situações em que nossas heroínas favoritas se encontraram ao longo das páginas de seus respectivos romances.

Não é um livro essencial, do ponto de vista em que acredito que qualquer um pode usufruir da leitura de um romance de Austen sem precisar de detalhes sobre como se conduzia o ambiente doméstico da época… mas é bastante informativo, sem deixar de ser divertido e certamente pode ajudar àqueles que querem ir um pouco mais a fundo em suas interpretações do período no contexto das novelas.

Eu certamente recomendo.

Gazeta de Longbourn: Lições de Vida das Grandes Heroínas da Literatura

Resenha nova da Luciana Darce (JASBRA-PE), fresquinha saída do forno!

O universo literário está repleto de heroínas inteligentes e destemidas que ganharam vida nas mãos de celebradas autoras. Assim como as mulheres de hoje, elas valorizavam sua personalidade, espiritualidade, carreira, amizade e família. Escritoras como Jane Austen e Louisa May Alcott deram força às suas opiniões diante de momentos difíceis, às vezes com palavras, outras vezes com atos de coragem.

Este livro encantador nos mostra a força e o poder encontrados nos clássicos. Um tributo único às suas escritoras e um presente extraordinário para mulheres de todas as idades.

Este ano andei lendo uma série de livros sobre livros, volumes e volumes de ensaios e declarações de amor à leitura. Este título faz parte da coleção – que a essa altura, já está chegando a uma inteira prateleira na minha estante.

Blakemore intitula cada um de seus ensaios com uma virtude, relacionando-as, por sua vez, com uma personagem literária. Elizabeth Bennet é o auto conhecimento; Scarlet O’Hara representa a luta; Jo March é a face da ambição; Mary Lennox e seu jardim secreto são a magia.

Estes são apenas exemplos – personagens mais amplamente conhecidos pelo grande público no Brasil. Há outras autoras cuja apresentação me deixaram, naturalmente, curiosa e com isso é claro que minha lista de leituras aumentou…

E este é o ponto chave do livro: as autoras. O título nos faz pensar que se trata apenas das heroínas-personagens, mas a realidade é que as lições de vida apresentadas neste volume são aquelas protagonizadas por cada uma das autoras apresentadas – todas mulheres, todas tendo de lutar para ter o trabalho reconhecido, para n~]ao serem deixadas de lado por sua própria condição feminina.

Lições de Vida das Grandes Heroínas da Literatura não é um livro excelente, do tipo que alcance grandes expectativas ou inspire grandeza – o que é um tanto contraditório em relação ao título. Blakemore escreve bem, mas lhe falta algo que nos tire o fôlego, que nos arrebate. A despeito disso, como introdução biográfica – e bibliográfica – ele funciona muito bem.

Para quem tem curiosidade de conhecer um pouco da vida de escritoras consagradas – como porta de entrada para leituras mais aprofundadas – é um livro interessante, definitivamente.

A Gazeta de Longbourn apresenta: Northanger Abbey, Angels and Dragons

Luciana Darce (JASBRA-PE) nos traz hoje uma resenha com seres de outro mundo! 🙂
Northanger Abbey, Angels and Dragons de Vera Nazarian.

For, what is order without common sense, but Bedlam’s front parlor? What is imagination without common sense, but the aspiration to out-dandy Beau Brummell with nothing but a bit of faded muslin and a limp cravat? What is Creation without common sense, but a scandalous thing without form or function, like a matron with half a dozen unattached daughters?

And God looked upon the Creation in all its delightful multiplicity, and saw that, all in all, it was quite Amiable.

De todos os livros da Austen, A Abadia de Northanger é, muito provavelmente, o que melhor se presta para o gênero dos mash-ups – afinal, ele em si já é uma espécie de releitura do romance gótico, satirizando os clichês envolvidos em sua composição. Assim é que, quando procurava algum título para encaixar na minha quota austeniana do mês e de quebra comemorar o dia das bruxas, decidi ir atrás de algum livro que brincasse com a história de Miss Morland.

Devo dizer que foi a escolha mais acertada que eu poderia ter feito. Eu cheguei a me divertir com Orgulho e Preconceito e Zumbis, especialmente com os trocadilhos (que nunca descobri como ficaram na versão em português) – o autor não se leva a sério e a coisa toda é insana -, mas torci o nariz para Razão e Sensibilidade e Monstros do Mar e, mais recentemente, para Emma and the VampiresNorthanger Abbey, Angels and Dragons, de todos esses foi, contudo, o que melhor soube explorar não apenas as lacunas em que os elementos sobrenaturais são inseridos, mas o próprio humor da história.

Eu soltei gargalhadas infindas durante quase toda a primeira metade do livro. Os primeiros capítulos, em que somos apresentados a Catherine são um tesouro (é depois de bater com a cabeça que Cathy passa a ver e conversar com anjos, embora para as pessoas ao seu redor, pareça que ela está tendo animadas discussões com a mobília…) e o que a Nazarian fez com o Torpe Thorpe foi, francamente… um golpe de gênio. E ela consegue isso respeitando o texto original, o espírito dos personagens que Austen criou.

O livro perde um pouco o ritmo a partir do momento em que é introduzido o General Tilney e a ação sai de Bath para Northanger. O plot envolvendo os dragões me pareceu desnecessário, especialmente pelas consequências que teve na confissão de Henry, ao final (fora que essa história de ‘dragão do amor’ me fez revirar os olhos…), mas eu gostei da aparição fantasmagórica da senhora Tilney.

De uma maneira geral, eu me diverti bastante com o livro, dei muitas risadas imaginando a Catherine conversando com seus anjos desastrados… imaginando como é que ela explicaria a situação para o Henry quando chegasse a hora e se ele acreditaria que ela via coisas que não são desse mundo ou a mandaria para o Bedlam. O final foi um tanto abrupto, mas ainda assim, eu recomendo Northanger Abbey, Angels and Dragons para os leitores não puristas da Austen – sem deixar de observar, obviamente, que o original é cem vezes superior.

A Gazeta de Longbourn apresenta: A Abadia de Northanger

Desta vez, Luciana Darce (JASBRA-PE) traz um livro muito conhecido por nós: A Abadia de Northanger

“Não vou adotar esse mesquinho e grosseiro costume, tão comum entre romancistas, de degradar com sua censura desdenhosa os próprios trabalhos cujo número eles mesmos fazem crescer, unindo-se a seus piores inimigos em dar os mais agressivos epítetos a tais obras, sem sequer permitirem que elas sejam lidas por sua própria heroína, que, se por acidente lhe cair nas mãos um romance, decerto folheará suas insípidas páginas com repulsa. Mas ai! Se a heroína de um romance não for apadrinhada pela heroína de outro, de quem poderá esperar proteção e atenção? Não posso aprovar tal coisa. Deixemos aos críticos insultar à vontade tais efusões de imaginação, e a cada novo romance lançar seus surrados ataques contra o lixo que hoje faz gemerem as prensas. Não abandonemos uns aos outros; somos um corpo ferido. Embora a nossa produção tenha proporcionado mais amplo e autêntico prazer do que as de qualquer outra corporação literária do mundo, nenhuma espécie de composição foi mais vituperada. Por orgulho, ignorância ou moda, nossos inimigos são quase tantos quantos nossos leitores. E enquanto o talento do nongentésimo compilador da História da Inglaterra ou do homem que reúne e publica num livro algumas dúzias de linhas de Milton, Pope e Prior, com um artigo do Spectator, e um capítulo de Sterne, são elogiados por mil plumas, há um desejo quase universal de vilipendiar e desvalorizar o trabalho do romancista, e rebaixar obras que têm apenas o gênio, a inteligência e o bom gosto para recomendá-las. ‘Não sou um leitor de romances… Raramente folheio romances… Não vá imaginar que leio muitos romances… Para um romance, está muito bom.’ Essa é a cantilena de sempre. ‘E o que anda lendo, Senhorita…? ‘Ah! É só um romance!’, responde a mocinha, enquanto larga o livro com afetada indiferença ou momentânea vergonha. ‘É só Cecília ou Camilla ou Belinda’; ou, em suma, só alguma obra em que se exibem as maiores faculdades do espírito, em que o mais completo conhecimento da natureza humana, o mais feliz traçado de suas variedades, as mais vivas efusões de inteligência e humor são oferecidos ao mundo na linguagem mais seleta.”

A Abadia de Northanger é, sem sombra de dúvidas, o livro mais divertido e juvenil das obras que nos foram legadas por Jane Austen. Não à toa, afinal, embora tenha sido publicado postumamente, foi o primeiro romance que ela escreveu.

Não há a sutileza do texto de Orgulho e Preconceito ou Emma, nem tantos personagens ambiguamente fascinantes, como Wickham ou Willoughby… embora haja já certos traços desses vilões no general-pai e capitão-filho Tilney. A Abadia de Northanger é abertamente e sem pejo, uma grande brincadeira, uma crítica e uma homenagem ao inteiro gênero do romance gótico.

Há uma ingenuidade refrescante em sua heroína – que caminha todos os passos da heroína sem perceber o que está fazendo -; um herói simpático, com um olho muito bom para musselinas e nem de longe tão intenso quanto Mr. Darcy ou o Capitão Wentworth (mas nem por isso menos apaixonante); e um vilão caricatural que gosto de chamar em minha cabeça de torpe Thorpe.

Eu vou confessar que Henry Tilney é um dos meus protagonistas favoritos da Austen. O primeiro lugar é do Capitão, obviamente, mas creio eu que se fosse para escolher na vida real, fora dos romances, eu preferiria um Tilney a um Wentworth. Como já disse antes, ele não é intenso e passional, mas tem um senso de humor delicioso, maneiras encantadoras; ele sabe rir de si mesmo, sabe provocar e flertar num mesmo fôlego, é, enfim, absurdamente charmoso.

E, a despeito de ter o mais complicado conflito familiar de todos os romances austenianos – a breve afirmação que ele faz sobre o papal do pai no definhar da mãe diz muito sobre o que ele pensa sobre o assunto – Tilney é também o mais bem resolvido de seus mocinhos.

Catherine, por sua vez, desperta em mim sentimentos de tia – tenho uma vontade enorme de apertar as bochechas dela e exclamar ‘mas você é uma fofa mesmo!’. Embora muito inocente, a jovem senhorita Morland tem grande potencial para se tornar uma criatura de bom senso, sabendo julgar o torpe Thorpe pelo canastrão que ele é, reconhecendo as vantagens de associação com a senhorita Tilney (não apenas pelo acesso que pode ter ao irmão, mas por um desejo sincero de amizade e admiração), sabe rir e chamar a atenção para os disparates com que Henry freqüentemente a provoca.

O único problema que Catherine tem de fato é essa ingenuidade que a faz ser presa tão fácil para a (detestável, vã e inconveniente) Isabella Thorpe… e uma imaginação febril que a faz enxergar chifre em cabeça de cavalo.

Mas tudo bem, ela continua adorável de qualquer ângulo que se olhe e continuo com complexo de Felícia querendo apertá-la atéeeeeeeeeee estourar.

A Abadia de Northanger é, enfim, um livro para se ler sorrindo (às vezes gargalhando), com personagens que são incrivelmente fáceis de se amar e uma veia paródica nem um pouco sutil – mas simplesmente deliciosa, já guardando as marcas do estilo que consagraria Austen na História.

A Gazeta de Longbourn apresenta: Lendo Lolita em Teerã

Perguntei aos meus alunos em nosso primeiro dia de aula, o que eles achavam que a ficção poderia proporcionar, porque, afinal, alguém deveria se preocupar em ler ficção. Foi um modo diferente de iniciar uma aula, mas consegui prender a atenção da turma. Expliquei que iríamos ler e discutir diferentes autores durante aquele semestre, mas que todos os autores escolhidos tinham a subversão como algo em comum. Alguns deles, como Gorki e Gold, eram abertamente subversivos em seus objetivos políticos; outros como Fitzgerald e Mark Twain, eram, na minha opinião, ainda mais subversivos, embora isso não fosse óbvio. Disse aos alunos que frequentemente voltaríamos ao termo subversão, pois minha compreensão desse termo era diferente da sua definição habitual. Escrevi no quadro uma das minhas frases favoritas do pensador e filósofo alemão Theodor Adorno: ‘a mais elevada forma de moralidade é não se sentir em casa em sua própria casa’. Expliquei-lhes que a maioria das grandes obras da imaginação pretendia nos fazer sentir como estrangeiros em nossa própria casa. A melhor ficção sempre nos força a questionar aquilo que temos como certo. Ela questiona as tradições e as expectativas, quando estas parecem ser imutáveis. Disse-lhes que gostaria que eles observassem de que modo essas obras os perturbavam, produziram desconforto, fizeram com que analisassem o mundo à sua volta, como Alice no país da maravilhas, através de diferentes olhares.

Alguns anos atrás, o pessoal da JASBRA/PE foi chamado para uma entrevista com o Jornal do Commercio e, na ocasião, o jornalista que nos encontrou citou esse livro como sua porta de entrada para o mundo de Austen.

Foi o que bastou para me deixar curiosa, e ele entrou na minha lista de futuras leituras que é algo assim como as histórias de Sherazade (que, aliás, é lembrada na narrativa), que nunca se acabam, mesmo após mil e uma noites…

Lendo Lolita em Teerã é o relato real de uma professora de literatura inglesa no Irã em plena Revolução, no início da década de 80 – uma época bastante perigosa para se ter idéias próprias e pior ainda para ser mulher no Irã. 

O livro é dividido em quatro partes, cada qual debatendo um autor: Nabokov, Fitzgerald, Henry James e Jane Austen – e também as experiências de Nafisi como professora tanto na Universidade de Teerã como em aulas secretas e particulares com um pequeno grupo de alunas.

Lembre-me bastante, enquanto lia, de Conversas Sobre Jane Austen em Bagdá. A situação das autoras dos dois livros é muito parecida, ainda que Nafisi fale da década de 80 e da guerra entre Iraque e Irã, enquanto Witwit viva o cotidiano da invasão americana de 2003 ao Iraque. 

Os diálogos (emails e cartas) de Witwit com sua correspondente londrina são bastante pessoais e nisso o título do livro é um tanto enganador; Nafisi, por outro lado, se concentra mais naquilo que representa o ‘ler Lolita em Teerã’: a leitura e debate das obras que são analisadas é um ato de revolta, de desafio ao regime autoritário que tenta de todas as formas sufocar qualquer tipo de pensamento independente.

Os debates que Nafisi propõem são excelentes e a reação dos alunos – mesmo aqueles que parecem condenar suas tentativas de ensinar não apenas literatura, mas também senso crítico – é magnífica: o julgamento que se faz de O Grande Gatsby é uma cena quase surreal e demonstra muito bem o poder da palavra, o impacto que grandes obras literárias podem ter; o debate que se segue entre um moralismo ultraconservador e um pensamento mais liberal e crítico demonstra muito bem aquilo que Nafisi quis dizer com essa obra.

Uma resistência literária em que um pequeno grupo se reúne para ler e debater obras proibidas pode parecer muito pouco diante da gravidade dos fatos que a autora apenas toca ao longo de Lendo Lolita em Teerã – se por sorte ou outras questões, o fato é que ela não se expôs tanto quanto algumas de suas alunas e colegas e as represálias que sofre são relativamente brandas em comparação com o que poderiam ter sido.

Contudo, não é pouco o que Nafisi fez. Ela deu aos seus alunos a possibilidade de se fazer ouvir, de conhecer, de criticar. Ela deu esperança e também um exemplo a que aspirar. Em tempos bastante sombrios, ela tentou fazer sua parte, ser um porto seguro, uma réstia de luz. E ao final das contas, para que possa haver revolução, é necessário começar por algum lugar, não?

Então, por que não começar pelos livros?

A Gazeta de Longbourn apresenta: For You Alone

A continuação da história de Persuasão contada por ninguém mais que o Capitão Wentworth: For You Alone da Susan Kaye! Mais uma vez, Luciana Darce (JASBRA-PE) nos presenteia com uma resenha! 

I can listen no longer in silence. I must speak to you by such means as are within my reach. You pierce my soul. I am half agony, half hope.

Esse é o segundo livro da Susan Kaye contando a história de Persuasão pelo ponto de vista do capitão Frederick Wentworth. Quando terminei o primeiro volume, imediatamente emendei com esse e entre um e outro, devo ter passado umas oito horas direto sem parar de ler, quase virando uma noite para conseguir chegar ao final da narrativa.


A história desse segundo volume se inicia logo após o acidente de Louisa Musgrove em Lyme. Wentworth se vê agora às voltas com a ideia de que está comprometido por uma questão de honra, a pedir Louisa em casamento, isso logo após se dar conta de que continua amando Anne e que ela é exatamente tudo o que ele deseja numa mulher.

Para não se enrolar ainda mais na armadilha que ele mesmo armou para si, o capitão parte para visitar seu irmão e esperar que as coisas se assentem. Lá ele tem um vislumbre da felicidade conjugal do mais velho dos irmãos Wentworth e passa o tempo a se torturar com aquilo que poderia ter tido se não tivesse sido tão rancoroso e tão apressado em julgar sua querida Anne.

Obviamente, como todo mundo que leu o original Austeniano, ele será resgatado de seu imbróglio e terminará com o caminho livre para partir para Bath e reencontrar Anne – e para escrever uma das cartas de amor mais apaixonadas de toda a literatura. Claro que antes que isso aconteça, ainda haverá um longo caminho de desentendimentos, ciúmes e esperança com que lidar.

A Kaye saiu-se muito bem como sua reedição da história pelo ponto de vista do Wentworth – ela trabalha o contexto da época, as questões do final da guerra e das consequências de tal fato para os homens da marinha. O capitão ganha profundidade, uma existência para além de sua corte a Anne e ela faz isso de maneira muito crível.

A única coisa que me desagradou foi o final, que dá uma curva tá abrupta daquilo que se espera dos personagens de Austen que me deixou até tonta – primeiro pela súbita mudança de ponto de vista, com a Anne como narradora, segundo, por Greta Green, que faz mais o estilo Lydia Bennet que Anne Elliot. 

É uma única ressalva numa obra que, de outra maneira, tinha tudo para receber um ‘excelente’. Ainda assim, para os amantes de Austen e admiradores do valoroso capitão, é uma boa recomendação.

A Gazeta de Longbourn apresenta: None But You

Luciana Darce (JASBRA-PE) nos envia uma deliciosa resenha! Uma versão de Persuasão, escrita pelo Captião Wentworth: None But You da Susan Kaye.

Eight years ago, when he had nothing but his future to offer, Frederick Wentworth fell in love with Anne Elliot, the gentle daughter of a haughty, supercilious baronet. Sir Walter Elliot refused to countenance a marriage, and Anne’s godmother, Lady Russell, strongly advised Anne against him. Persuaded by those nearest to her, Anne had given him up and he had taken his broken heart to sea. When Jane Austen’s Persuasion opens in the year 1814, Frederick Wentworth, now a famous and wealthy captain in His Majesty’s Navy, finds himself back in England and, as fate would have it, residing as a guest in Anne’s former home. Now, it is the baronet who is in financial difficulties, and Anne exists only at her family’s beck and call. For eight long years, Frederick had steeled his heart against her. Should he allow Anne into his heart again, or should he look for love with younger, prettier woman in the neighbourhood who regard him as a hero?

Para quem não sabe, Persuasão é meu romance favorito da Austen – Mr. Darcy que me perdoe, mas fica difícil competir com um capitão da marinha com uniforme completo e enorme talento para escrever cartas de amor.

Assim é que foi com empolgação que me lancei a ler None But You, narrando os eventos de Persuasão sob o ponto de vista do Capitão Wentworth – começando bem antes de sua chegada a Kellynch Hall, ainda ao mar, na expectativa de deixar seu navio uma vez que a guerra acabou.

Acompanhamos Wentworth em seus exercícios diários junto à sua tripulação (e esses momentos me lembraram por demais de Mestre dos Mares), seu encontro com Benwick para revelar a morte de Fanny, suas lembranças de Anne quando do primeiro noivado ‘oito anos atrás’.

A história aqui vai até a queda de Louise em Lyme, continuando num segundo volume (de que falarei mês que vem). Há bastante espaço para desenvolvimento do personagem, não apenas dentro do romance com Anne, mas como um todo. O Wentworth de Susan Kaye é extraordinariamente humano, passional, verdadeiro.

Essa primeira parte da história traz um capitão mais amargo, incapaz de se libertar de seus antigos rancores, a todo tempo julgando e observando sua antiga amada – sem querer enxergar que todo o seu interesse na jovem é prova de que seu afeto permanece.

É uma narrativa que te prende – eu não larguei do livro enquanto não o terminei e imediatamente ao final emendei no segundo volume, virando noite para chegar ao final da história. De uma forma geral, None but You me lembrou do desenvolvimento de Mr. Darcy na trilogia de Pamela Aidan, em todos os seus melhores momentos. Kaye respeita a obra original, e é capaz de uma recriação histórica verossímil – exceto, talvez, pelos encontros a sós na juventude de Wentworth e Anne (o que desculpamos em nome do romance).

Melhor parte pra mim, contudo, foi a Sophie. Eu ADORO a Sophie e gostaria muito de ver os eventos de Persuasão sob o ponto de vista dela. Na impossibilidade de tal releitura, resigno-me com as interações dela com o irmão caçula.

Agora, rumo a segunda e melhor parte do romance: o capitão em Bath tentando reconquistar sua amada!

Resenha de Persuasão

Prezados leitores,

o Luiz Marcatto do site Literar.com.br me avisou a respeito de uma resenha de Persuasão. O texto é de Ingrid Abbade, para ler o texto na íntegra, clique aqui.

Fiquei presa ao livro: o devorei em uns poucos dias e, quando terminou, queria saber mais e mais. Uma parte porque adoro romances e outra porque, em Persuasão, você sempre está tenso. A sensação é que o tempo inteiro algo está prestes a acontecer, mas sem se alongar muito, tornando a leitura mais prazerosa e fácil. Jane Austen sempre será uma boa leitura, um retrato suave da vida feminina de seu tempo, e uma compra sempre certeira.