Jane Austen, além do amor e do casamento

Este post é indicação da Sindy Sato! 😉

A Marian Macedo escreveu um artigo para o site Brasil de Fato a respeito de Jane Austen. Confira abaixo:

Por trás dos romances aparentemente inofensivos da escritora britânica, há uma forte crítica à sociedade inglesa do século 19
Jane Austen (1775-1817) desenvolveu seus seis romances num cenário típico da Inglaterra do inicio do século 19: vilarejo de vida social agitada entre visitas à vizinhança, bailes, danças, passeios, fofocas. A autora era de uma família típica da ‘gentry’ inglesa, uma parte da nobreza menos privilegiada, ou seja, com menores posses de terra. As famílias de suas protagonistas não se distanciavam muito dessa descrição, deixando claro que Austen, além de viver nessa realidade, escrevia sobre ela, sendo um exemplo claro da relação dialética existente entre a literatura (ou qualquer tipo de arte) e a sociedade, tempo e espaço em que está inserida.
Seus romances, sempre pelo ponto de vista de uma jovem mulher do século 19, retratam a sociedade da época de maneira crítica e distanciada, usando sempre uma ironia refinada para escancarar o ridículo das convenções e normas sociais das comunidades. Os escritos dessa autora vão além da crítica a essas pequenas cidades onde seus personagens vivem, ao abranger toda a sociedade inglesa, e exibem como os mecanismos sociais influenciam e moldam a vida dos indivíduos.
Um exemplo perfeito para mostrar o modo como Jane Austen expõe suas personagens e, dessa maneira, constrói a crítica às normas sociais é a Sra. Bennet de Orgulho e Preconceito.
“Trata-se de uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, dotado de uma considerável fortuna, deve estar precisando de esposa.”
A frase de abertura do romance reflete literalmente a ideologia da mãe de uma família de cinco filhas que vive para arranjar casamentos lucrativos para elas. A chegada de um novo vizinho a deixará eufórica.
As características mais marcantes da autora podem ser notadas já nesse início do livro: a referência a uma verdade universal é de tom irônico, considerando o mundo restrito em que vivem, a crítica às normas sociais e como ela constrói a personagem. Ao final do primeiro capítulo já temos um retrato claro da personalidade da Sra. Bennet, graças a uma estrutura de diálogo entre ela e o Sr. Bennet.  O temperamento fútil da mulher é exposto de acordo com o avanço da conversa sobre o Sr. Bingley que acabou de chegar à vizinhança. Jane Austen constrói suas protagonistas de forma complexa, levando em consideração a personalidade forte, que fi ca clara para o leitor nos diálogos. Essa multidimensionalidade garante verossimilhança à construção do interior da personagem. Por meio do narrador, os leitores sabem previamente das situações que irão transformar a vida dessas jovens. Nos seis romances, notamos que a protagonista passa por situações em que deve tomar decisões essenciais para seu futuro. As protagonistas aprendem, mudam de opinião e tudo isso dentro de uma sociedade regada de convenções e normas rígidas. Dadas essas características, pode-se afirmar que são romances de educação em que, ao final, as jovens mulheres aprendem sobre elas mesmas e sobre a sociedade em que vivem. A construção dos personagens de seus livros se dá tanto por meio de ações, quanto da exposição de suas ideologias nos diálogos dramáticos.
História social
Jane Austen não era interessada nos grandes fatos da história mundial, mas na história social das famílias donas de terras da Inglaterra, o que é importante para entender os costumes, cultura e transformações que a sociedade da época estava passando. É um momento de transição de valores em que o nascimento do próprio romance inglês é configurado. O universalismo passa a ceder lugar a um pensamento mais individualista, típico da sociedade burguesa, e as particularidades passam a ser mais valorizadas. Por isso suas personagens têm defeitos e virtudes bem expostas pelo narrador. Mas ao mesmo tempo, levando em consideração o universo em que os romances são situados (pequena cidade inglesa), ainda prevalece um pensamento comum. Um exemplo fica claro quando se observa o comportamento da Sra. Bennet, e é como se as particularidades de cada membro da comunidade fossem reduzidas. Constrói-se, assim, uma uniformidade de valores na sociedade e uma crítica à sociedade inglesa em geral.
É nesse contexto que Jane Austen desenvolve seus romances que refletem toda uma sociedade por trás da visão feminina da época. E tudo num modelo formal rígido, controlado, rico e irônico, principalmente no que diz respeito à construção das personagens.
Jane Austen é uma autora decisiva para se compreender a história tanto da literatura, quanto da sociedade inglesa do século 19. A escritora desenvolveu certos recursos narrativos que, mais tarde, dariam origem ao discurso indireto livre e ao fluxo de consciência, muito presentes em praticamente todas as obras de autores britânicos, como Virginia Woolf. Porém, ainda há muitos que julgam superficialmente suas obras, enganando- se pelo aparente aspecto inofensivo de seus temas amorosos, sem notarem o tom irônico e toda a crítica que carregam por trás de uma história sobre amor e casamento.

Coleção Norton Critical Editions

Eu já conheço esta coleção há algum tempo e inclusive possuo alguns dos livros. Vale à pena conferir estes livros pela qualidade da coleção e textos que cada livro contém. São estudos sobre cada uma das seis obras de Austen. Estão à venda na Livraria Martins Fontes por um preço bastante acessível, visto que é um produto importado. Para os estudiosos da obra de Austen é uma coleção que não pode faltar!
R$ 31,28 – Editora por Susan Fraiman
R$ 36,09 – Editado por Donald Gray
R$ 33,68 – Editado por Patricia Meyer Spacks
R$ 52,93 – Editado por Claudia Johnson
R$ 38,50 – Editado por Claudia Johnson

R$ 52,93 – Editado por Stephen Parrish
 
Se estiver cuiroso(a) veja algumas páginas no Site da Amazon.

Jane Austen em tom bem afiado

Gabriela Zimmermann do Jornal A Notícia de Joinville publicou ontem uma crítica sobre o livro Jane Austen a Vampira de Michael Thomas Ford.

“LIVRO DE MICHAEL THOMAS FORD TRANSFORMA ESCRITORA INGLESA EM UM PANO DE FUNDO MODERNOUma Jane Austen ácida, crítica com sua própria obra e cheia de personalidade. Assim, o escritor norte-americano Michael Thomas Ford pinta a escritora de clássicos como “Razão e Sensibilidade” e “Orgulho e Preconceito”. O livro “Jane Austen – a Vampira” pode ser considerado leitura de tarde de férias: tranquila e despretenciosa.
Ford transforma Jane em vampira somente como um pretexto para trazê-la ao mundo contemporâneo e consegue, com isso, puxar para os tempos de hoje a escritora inglesa, que agora tem 233 anos e vive nos Estados Unidos. O livro começa mostrando o lado sarcástico de Jane que, dona de um livraria em uma pacata cidade ao norte de Nova York, precisa vender e acompanhar leituras de seus antigos sucessos – os quais ela já não aguenta mais.
O problema é que ela não entende porque tanta gente ainda relê seus livros. E mais: como podem até se fantasiar de senhor Darcy, o mocinho de “Orgulho e Preconceito”, por exemplo.
Ford aproveita para usar trechos reais de cartas de Austen à irmã Cassandra, o que o ajuda a construir essa Jane de mais de dois séculos de vida. Talvez pelas centenas de anos, a protagonista agora esteja mais crítica ainda e um pouco impaciente com o mundo. A nova Jane tem problemas para lançar seu mais recente romance e se vê às voltas com o orçamento apertado, já que não tem como receber direitos autorais de seus livros pois está morta para o mundo.
O mote ajuda a reforçar a acidez e a falta de paciência da personagem, que vai ter de lidar também com um romance do passado, um admirador que trabalha perto e uma paixão pelo seu novo agente literário. As palavras que mais definem o livro são diversão e leveza. Aproveitando a história o sucesso dos vampiros, Ford compõe um cenário inusitado, mas totalmente possível: Austen achando graça e ficando impaciente com o mundo moderno.
Além de Jane Austen, o autor aproveita para falar sobre as novas gerações de autores célebres como Lord Byron (que, acreditem, foi o responsável por transformar Jane em vampira e segue os séculos apaixonado por ela) e das irmãs Brontë (que, em determinado momento, Jane é acusada de copiar). Sem dúvida um livro que aproveita o modismo e recicla autores de maneira divertida e bem provável. Para quem gosta de “embalagens”, o livro tem, ainda, uma capa bem montada e design condizente com a história, em uma edição criativa.
O autor é especialista em comédia e histórias macabras, escreveu diversos livros juvenis e adultos nos Estados Unidos e essa é sua estreia no mercado brasileiro. Ford ganhou o prêmio de Melhor Livro de Humor e tornou-se integrante da Horror Writers Association, após ter sido premiado com o Bram Stoker Award.”

Orgulho e Preconceito e Zumbis – uma opinião

Depois de publicar aqui no blog sobre o futuro lançamento de Orgulho e Preconceito e Zumbis pela Editora Intrínseca, acho interessante fazer um post sobre uma das muitas avaliações do livro.

Eu ganhei o livro de presente da Leila! Obrigada!
Detalhes das ilustrações

O texto abaixo é da Camila D. do Liquid Dreams of… – que gentilmente nos cedeu sua opinião. Obrigada Camila!

Não sei bem como começou este fenómeno dos remakes no campo da literatura. Talvez seja uma evolução natural do fenómeno das sequelas ou talvez seja uma profissionalização da moda de escrever fanfiction, mas o facto é que me parece que os remakes literários – e vou chamar-lhes assim porque passa a mensagem e me parece que ainda ninguém criou uma nomenclatura melhor – vieram para ficar.

A ideia é clara e simples, e passa um pouco pela fórmula que é usada para a música e o cinema: pegamos numa obra que já existe e damos-lhe uma roupagem diferente, mantendo a estrutura básica para que a obra seja reconhecida e apreciada pelo público conhecedor do original ao mesmo tempo que tenta utilizar as diferenças para captar um novo público.

Parece-me que é quase um dado adquirido que remakear – new word! – uma obra mais conhecida tem uma probabilidade bem maior de atingir um publico mais vasto, ou seja ter um maior número de vendas, do que remakear uma qualquer obra obscura de um autor maldito.


Este fenómeno é de tal forma evidente que muito autores estão já a fazer remakes das próprias obras, usando o truque sempre bom do contar-exactamente-o-mesmo-mas-de-outra-forma-ou-seja-as-mesmas-personagens-nas-mesmas-situações-com-os-mesmos-diálogos-mas-do-ponto-de-vista-de-uma-personagem-diferente. Um dos exemplos mais flagrantes é o caso da Stephanie Meyer (parece que falo sempre no mesmo, mas a culpa não é minha) que prepara uma nova versão de Twilight, mas contando agora a história do primeiro tomo da série do ponto de vista do vampiro.


Tenho uma estranha sensação nestes casos. No fundo, é como se os autores estivessem a fazer fanfiction das suas próprias obras!… (shudder!)

Estes remakes conseguem por vezes fugir um pouco à fórmula anterior, apresentando takes efectivamente diferentes, mudando o enfoque da história e criando situações diferentes; o que pode ter um efeito colateral complicado porque pode levar o autor a recriar as personagens e atribuir-lhes comportamentos e atitudes que os fãs não lhes reconhecem, alienando assim o público do trabalho original.


Cheguei a ver comentários na Amazon neste sentido, onde fãs irados tratavam as personagens como pessoas reais, que eles conheciam detalhadamente, afirmando: “Ela nunca faria isso! Ela nunca diria isso!”. Há, no entanto, algumas obras curiosas que apesar de serem remakes literários conseguem acrescentar dimensões interessantes às histórias originais e isso dá-lhes mérito próprio. Lembro-me do caso de Mary Riley de Valerie Martin que me pareceu bastante interessante. Antes ainda de abordar o livro que me levar a criar este post, resta-me recordar o leitor mais distraído que sou uma assumida fã de Jane Austen e uma coleccionadora edições de Pride and Prejudice: diferentes formatos, diferentes línguas, continuações e remakes.

Tenho-o até em Holandês e Dinamarquês, em BD e em texto dramático; confesso que tenho os “diários” de Mr. Darcy em diversas versões por diferentes autores, a versão digest e o companion da série da BBC de 1995 com fotografias dos locais de filmagem e até uns livros onde o casal Darcy se transforma numa espécie de parelha Poirot . Deuses, até tenho uma coisa verdadeiramente assustadora – sim, mais do que as enumeradas anteriormente – que é uma versão christian novel do romance, muito mais pudica – se é que conseguem imaginar – e passada nos dias de “hoje”.

Assim, quando descobri que iria sair um novo remake, desta vez uma edição virada para o horror, fiquei atentamente à espera que estivesse disponível uma versão softcover para comprar.

Já comprei e já li (dentro do possível). Deixem que vos diga que este trabalho é mau e que o pior é que ele é essencialmente preguiçoso. Seth Grahame-Smith, autor (de apenas algumas linhas), agarrou no texto de Austen, provavelmente downloadando uma versão digital do Project Gutenberg ou qualquer coisa semelhante, fez um copy-paste para dentro de um documento Word e foi colocando umas frases pelo meio, sempre tudo relacionado com zombies e a estranha praga que grassa pelas terras de sua majestade… e voilá!  Está feito um fabuloso “New York Times Best Seller” como diz o sticker na capa da minha edição. De facto, pensado bem, devia ter percebido isso imediatamente no momento em que o nome de Jane Austen é colocado na capa num tom de quase “parceira” do projecto, como se o livro tivesse sido escrito a quatro mãos.

Como é que é possível que tenham deixado publicar uma coisa destas! Chega ao ponto dos acrescentos de Grahame-Smith nem sequer fazerem sentido!  Tentei mesmo dar uma hipótese ao livro (caramba, se eu li a versão em christian novel e esta era mesmo mázinha…) e cheguei a usar duas abordagens diferentes no que toca à sua leitura. Numa primeira linha, tentei ver o livro como um remake de uma história que já conhecia e partir daí: foi terrível, tudo soava tão oco e absurdo (in a bad way) que tive de desistir.

Voltei ao livro algumas leituras depois, abordando o produto como sendo uma coisa absolutamente nova e séria, numa mistura efectiva da vida na época da Regência com zombies, numa espécie de história alternativa. Ainda foi pior. O facto de manter todo o texto original e, ao longo de várias páginas seguidas, alterar apenas algumas palavras e contextos, como limitar-se a transformar os dotes de piano e costura das meninas das várias famílias em treinos de judo com mestres orientais e habilidades com catanas, quebra o texto e a história.  Aposto que, mesmo quem nunca tenha lido nada de Jane Austen, consegue facilmente distinguir a sua prosa da de Grahame-Smith! É mesmo assim tão obvio, garanto!  Ver uma Lizzie a queixar-se que 50 milhas é muito longe tendo em atenção que aos 21 anos já foi duas vezes ao Oriente é um pouco, como direi?… deslocado? pouco consistente?
Não sei quem serão os leitores de uma obra destas: não estou a ver os fãs de livros de zombies com paciência para a linguagem e os enredos de Austen a cru, nem estou a ver os fãs de Austen a ter muita vontade de encontrar o Mr. Darcy a cortar cabeças aos zombies da vizinhança enquanto regressa à sua adorada Pemberley.  O que mais de deixa aborrecida é sentir-me enganada: achei que ia encontrar aqui uma coisa original e engraçada. Talvez a culpa seja minha e seja eu quem não tem o sentido de humor necessário para “perceber” o alcance e a dimensão do livro e da ideia do autor. A ideia é gira, mas era preciso que o autor tivesse tido trabalhado e ter, de facto, criado uma versão alternativa onde os mesmos personagens vivem uma história de amor semelhante, mas com esta dimensão, que é uma dimensão de peso, com implicações maiores do que trocar as aulas de piano por aulas de artes marciais.
Este é, na minha opinião, mais um caso de uma ideia boa com uma execução duvidosa. Podemos juntá-lo ao “30 Days Of Night” sem bem que é quase ofensivo: pelo menos este teve originalidade! O meu veredicto é que o livro é mau. É preguiçoso e um descarado roubo do trabalho de Austen, uma artimanha de baixo nível para ganhar uns trocos em direitos de autor. Gostava de saber quanto é que este “autor” recebeu por este “trabalho” que lhe deve ter demorado, no máximo, umas duas ou três tardes a concluir! Ah! mas entretanto, preparem-se porque há mais gente a achar que este é um bom filão: “The War of the Worlds Plus Blood, Guts and Zombies” de H.G.Wells e Eric S. Brown também anda aí. Pelo título e utilização do nome do autor original, cheira-me que o processo foi o mesmo. PS: e contrariamente ao que andam a dizer, o livro não é uma paródia ao original; é mesmo só um rippoff descarado.