Deixe que outras penas se ocupem com culpa e miséria.
Esse ano comemoramos o bicentenário de publicação de mais uma obra da tia Jane e claro que eu não poderia deixar de falar sobre o assunto. Mansfield Park não é meu livro favorito dos romances de Austen, mas depois de muitas leituras e releituras e debates, acho que hoje consigo entender melhor e gostar mais de Fanny Price.
Mansfield Park é talvez o mais próximo de um conto de fadas que Austen chegou: Fanny Price é acolhida pelos tios ricos, ainda criança, para tirar um pouco do peso dos pais pobres. Levada para a majestosa Mansfield, é criada lado a lado com os primos, embora sempre lembrada de que não faz parte originalmente daquele mundo.
Há uma tia fazendo as vezes de madrasta má, duas primas para serem as meio-irmãs da Cinderela e até um príncipe encantado (que pode ou não vir acompanhado do cavalo branco). As semelhanças, contudo, terminam por aí.
Fanny não é exatamente uma princesa levada pelas correntes, completamente desarmada e pronta para ser levada no cavalo branco. Ela tem uma saúde delicada e é um tanto indefesa frente a Mrs. Norris (que é sem dúvida a mais detestável de todas as personagens criadas pelo gênio austeniano) – mas ainda assim, Fanny não é boba, nem se deixa convencer daquilo que acredita não ser certo. Ela é constante, nunca desvia de seus princípios, não importa o tipo de pressão que receba. Em termos de caráter, comparado com todos os outros personagens da história, ela é certamente admirável.
Mas essa força é também sua principal fraqueza – ao menos a meu ver. Tenho às vezes a impressão de que Austen a fez perfeita demais e que no alto de sua fortitude moral, Fanny está sempre julgando e desdenhando as escolhas dos outros. Para ser bastante sincera, só consigo simpatizar com Fanny a partir do momento em que a vemos ao lado do irmão, William, porque só então ela parece descer de seu pedestal de retitude.
Demorei um tanto mais a gostar de Edmund, que faz as vezes de mocinho. Há dois motivos para isso: primeiro, Edmund, como primo de Fanny e tendo crescido ao lado dela, enxerga-a inicialmente como uma irmã e sua mudança de sentimentos me soa um tanto brusca; segundo porque em comparação com o arrojado e charmoso Henry Crawford, Edmund não é exatamente material para príncipe encantado.
Mas aí está a grande sacada de Austen, que é a forma como ela brinca com as nossas expectativas. Mansfield Park tem toda a estrutura do conto de fadas, mas a resolução da história está longe de seguir o padrão. Fanny escolhe não o final de princesa ambiguamente ‘felizes para sempre’ (e príncipes de contos de fadas me dão arrepios de desgosto e desconfiança), mas sim a vida real, o companheirismo, o conforto daquilo que já lhe é familiar.
Partindo dessa premissa, na minha quarta ou quinta releitura do livro (perdi a conta a essas alturas), sou capaz de simpatizar bem mais com Fanny do que quando tive meu primeiro contato com ela. Ainda não é meu título favorito dos romances de Austen, mas aprendi a gostar dele.
Li Mansfield Park recentemente. Não tive nenhum problema em simpatizar com Fanny, a não ser por sua passividade. As vezes eu desgostava um pouco da lentidão dos acontecimentos, mas fiquei feliz em lê-lo. Pretendo reler algum dia, para ver se alguma das minhas impressões mudam pelo meio do caminho. 🙂
GostarGostar
Alguém tem o pdf, onde compra sei lá?
GostarGostar
alguém tem o pdf dele?
GostarGostar
Concordo com vc. Simpatizei com Fanny, talvez pela inocência em perceber um universo diferente. Imagino que ela se sentiu como um pet numa casa nova, tentando observar, entende e ser aceita.
GostarGostar
Seja bem vinda Emanuelle!
GostarGostar