As Cartas de Jane Austen

“Não há nada que eu tenha lido naquelas cartas que possa ser interessante para o público. Elas são bem escritas, devem ter algum interesse para quem as recebeu, mas elas contêm detalhes de momentos de vida doméstica e familiar, sendo que raras vezes ela [Jane Austen] expressa sua própria opinião. Por isso, para estranhos elas podem não revelar o que se passava pela sua mente – eles não vão sentir que a conhecem melhor por terem lido suas cartas”.

Assim escreveu Caroline, sobrinha de Jane Austen, ao irmão James Edward Austen-Leigh, quando este estava escrevendo a biografia de sua tia, Memoir of Jane Austen. Assim como sua irmã, Austen-Leigh também não se mostra muito entusiasmado, e alerta seus leitores para que “não esperem muito” das cartas, pois estas tratam apenas de “detalhes da vida doméstica”. Segundo a especialista Carol Houlihan Flynn, apenas recentemente os estudiosos começaram a enxergar nas correspondências de Jane Austen algo mais do que simples descrições do dia-a-dia, e passaram a considerá-las como um importante recurso para compreender os costumes do meio em que Austen viveu, assim como para entender melhor suas obras.

Um grave problema que envolve as cartas de Jane reside no fato de sua irmã Cassandra ter destruído parte das cartas e ter subtraído trechos das correspondências remanescentes. Segundo a estudiosa Deirdre Le Faye, Cassandra assim procedeu para proteger a memória de sua irmã e de sua família, pois provavelmente Jane descrevia em detalhes sintomas de doenças, como quando a Sra. Austen adoeceu na ausência de Cassandra, ficando aos cuidados de Jane; por isso, o trecho de uma carta do ano 1798 foi cortado. Outro motivo plausível seria o fato de Jane fazer críticas a outros membros da família, pois em uma carta datada de outubro de 1813, Jane escreve: “Como me referi aos meus sobrinhos com um pouco de amargura na minha última…” O restante do trecho foi suprimido, e Jane segue elogiando os sobrinhos por terem comungado no dia anterior. A última carta a que Jane se refere não sobreviveu, pois Cassandra provavelmente quis poupar os sobrinhos da crítica feita pela tia.

Segundo Le Faye, as correspondências eram como telefonemas trocados entre as irmãs, ou seja, “apressadas e elípticas, uma mantendo a outra informada dos acontecimentos domésticos e ocasionalmente fazendo comentários sobre as novidades do dia, tanto locais como nacionais”. Le Faye dá ainda maiores detalhes de como Jane e Cassandra costumavam se corresponder:

“Quando as irmãs estavam separadas, escreviam uma para a outra a cada três ou quatro dias – uma carta começava imediatamente após a anterior ser enviada. Há sempre, primeiro, uma carta de Jane contando a Cassandra sobre o trajeto de casa até o destino; em seguida, uma série de cartas falando a respeito dos acontecimentos do dia no lugar visitado, e uma ou mais cartas falando dos preparativos para o retorno ao lar. Se Cassandra é quem viaja, então a primeira carta é de Jane dizendo que espera que a irmã tenha feito uma boa viagem; na sequência, Jane conta como vai a vida em casa; e as últimas cartas falam de Jane esperando que a irmã tenha um retorno rápido e confortável”.

As cartas de Jane Austen ainda não se encontram traduzidas para o português, mas há edições em inglês, como a famosa Letters of Jane Austen (Brabourne Edition) – primeira edição das cartas de Jane Austen, de 1884, organizada por Lord Brabourne, filho da sobrinha de Jane, Fanny Knight – lançada pela Cambridge Library Collection. A Brabourne Edition também pode ser lida na página The Republic of Pemberley. Outra importante edição é a Jane Austen’s Letters, organizada por Deirdre Le Faye. Há ainda a seleção de cartas da Oxford World’s Classics e várias outras.

Para escrever o presente post, além de ter utilizado como fonte bibliográfica a referida edição de Deirdre Le Faye, utilizei também o artigo The Letters, de Carol Houlihan Flynn, publicado no livro The Cambridge Companion to Jane Austen.

8 thoughts on “As Cartas de Jane Austen

  1. Desconhecida's avatar Karen 18/06/2010 / 5:21 PM

    Sempre tive curiosidade acerca das cartas de Jane. É uma pena que os livros que as contêm ainda não existam em português, bem como o romance “Lady Susan” – sem contar os inacabados – e os contos de Jane.

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  2. Desconhecida's avatar Adriana Zardini 18/06/2010 / 5:24 PM

    Karen, já existe tradução para Lady Susan e outros textos da juvenília de Austen. Dá uma olhadinh aqui no blog em Edições Portuguesas!

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  3. Desconhecida's avatar Elaine 18/06/2010 / 9:10 PM

    Karen, se vc tiver inglês intermediário, acho pode ler as cartas sem grandes problemas. Acho que vale a pena fazer uma forcinha :o)

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  4. Desconhecida's avatar Karen 19/06/2010 / 8:45 PM

    Obrigada por me alertar sobre o seu post, Adriana! Adorei a edição portuguesa de “Amor e Amizade”, é simplesmente linda! Só não entendo o porquê de as editoras brasileiras nunca terem publicado esse livro, além de “Lady Susan” e outros.

    Bem, Elaine, o meu inglês é mais ou menos bom! 😀 Não chega a ser intermediário, eu creio, ainda que eu escreva um blog em inglês (com a ajuda do Google Translator). Mas obrigada pelo comentário!

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  5. Desconhecida's avatar Ana Maria 20/06/2010 / 12:50 AM

    Parabéns, Elaine! Mais uma vez você nos brindou com um excelente artigo.

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  6. Desconhecida's avatar evellyn 21/06/2010 / 7:19 PM

    pena q ainda naum tem os livros contendo as cartas de JA em portugues, mas se sair concerteza eu qro.
    otimo post adri…
    bjaooo…

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