Domingos – Michel Sued – Mansfield Park e a doce e adorável Fanny Price

Hoje é dia da Coluna de Domingo: Jane Austen e os Rapazes. O objetivo é oferecer aos leitores deste blog uma visão masculina das obras de Austen.

Com vocês: Michel Sued (JASBRA-PE)

Tive o prazer de conhecer o Michel, em 2011 no III Encontro Nacional da JASBRA e reencontrá-lo este ano aqui em BH.

Mansfield Park e a doce e adorável Fanny Price

Após um dia inteiro de trabalho, enfrentava um trânsito intenso para chegar à minha casa, onde me arrumava e corria para o treino. Somente quando o corpo já despejara incontáveis gotas de suor na incansável busca pelo aprimoramento do condicionamento físico era que retornava à minha residência, tomava um banho e relaxava o corpo para então sentar-me sobre a cama e ir sofrer, a cada página, com as desventuras da doce e adorável protagonista de Mansfield Park. Essa era a minha rotina diária no período em que me demorei, sofri e me deliciei com a sucessão de acontecimentos que se passavam no interior da propriedade de Sir Thomas Bertram!
Como é fácil se deduzir a partir dessas linhas iniciais, não obstante a perplexidade que essa revelação por vezes possa causar em tantas pessoas que participam de nosso grupo, Mansfield Park se tornou o meu livro preferido do universo literário de Jane Austen, assim como Fanny Price, a heroína a quem inicialmente lancei apenas um olhar de compaixão, no decorrer da consumação das páginas, conseguiu despertar outros tantos nobres sentimentos em meu coração!
 Ao contrário do que ocorre em Orgulho & Preconceito, o mais famoso romance de Austen, em que a heroína Elizabeth Bennet movimenta o enredo por meio de suas palavras e ações, fruto de uma personalidade vivaz; em Mansfield Park, a heroína Fanny Price parece assistir passivamente a história que se passa com ela própria. Mas vejam bem: PARECE! É sempre muito oportuno ressaltar que Fanny, ainda criança, fora levada de sua humilde residência para morar com seus parentes ricos, onde sofreu toda a sorte de constrangimentos e humilhações, fazendo-a ter sempre em mente a sua condição desfavorável e de flagrante vulnerabilidade. Contudo, a doce e adorável Fanny teve pulso para se negar a participar da peça teatral que julgava inadequada, mesmo diante dos clamores e chantagens emocionais de seus parentes para que ela participasse. Além disso, por duas vezes, recusou o pedido de casamento proposto por Henry Crawford, a despeito da evidente vantagem que isso lhe propiciaria, mas que contrariava os desejos recônditos de seu coração, há muito já pertencente a seu primo Edmund.
   Parafraseando Adriana Sales Zardini, ao desviarmos o nosso olhar de Lizzy Bennet para Fanny Price, faz-se necessário “que troquemos as nossas lentes!” Não se pode esperar ou exigir um comportamento de Fanny semelhante ao de Lizzy, uma vez que a situação de cada uma das heroínas, bem como as circunstâncias que permeiam as respectivas histórias são bem distintas! Contra os implacáveis e impiedosos críticos do comportamento excessivamente tímido de Fanny Price, invoco a clássica lição de Aristóteles acerca do tratamento isonômico: “tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades!”
   De qualquer modo, em Mansfield Park é uma outra beleza do caráter humano que se põe em relevo! Curti certa vez um post do Facebook que trazia uma acepção do vocábulo resiliência – capacidade de suportar grandes sofrimentos e pressões, preservando-se o equilíbrio emocional. A meu ver, Mansfield Park é um romance que trata sobre a resiliência e a pureza de coração de sua jovem heroína. Fanny Price sabe suportar pacientemente todo desdém, humilhação e negligência, sem que isso a tornasse uma pessoa amarga e vingativa. Aos leitores é conferido o direito de inflamar o peito de indignação diante das injustiças cometidas contra a heroína ao longo da história, assim como vibrar com um ar de triunfo quando Sir Bertram se apercebe das negligências e maus-tratos para com sua sobrinha e intervém em seu favor, mas não a Fanny Price, que refuta esse sentimento de justificado triunfo e é capaz de poupar seus algozes de verdadeiras acusações.
  Por fim, sei que a defesa que faço de minha doce e querida Fanny Price não será facilmente aceita por muitas das pessoas que integram o Jane Austen Sociedade do Brasil e há de ser tema de infindáveis e acalorados debates em nossos encontros. Que assim seja! É isso que torna nossas discussões ainda mais divertidas e interessantes!

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Para quem não conhece o poema de Michel em homenagem à Fanny, veja o post aqui


Conheça os outros posts das Colunas de Domingos.

9 thoughts on “Domingos – Michel Sued – Mansfield Park e a doce e adorável Fanny Price

  1. Desconhecida's avatar luciennemachado12 12/05/2013 / 7:37 PM

    Muito bom o post Michel,não só gostei,como compartilho dessa sua maneira de ver a Fanny, e tb gosto muito de Mansfield Park, mas devo confessar,que não foi sempre assim,me incomodava não gostar tanto de uma obra de Austen, então me dediquei a entender melhor o livro,os personagens,o contexto onde se passsava a história, e aí sim comecei a ver com outros olhos,a entender e gostar como gosto!! 🙂
    Parabéns pelo poema,muito bacana!

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  2. Desconhecida's avatar Tatiana Resende Felix Batista 12/05/2013 / 11:20 PM

    Perfeita sua participação e sua opinião a respeito de Fanny, acho q dentro do “mundo” em que ela viveu ela foi uma grande heroína sim! Ela passou por diversas dificuldades, até que enfim como toda bela história encontrou um final feliz! Acho que querer comparar Orgulho e Preconceito com outras obras de Austen,não sei, na minha humilde opinião perde totalmente a graça, o brilho, pois acho que uma das coisas mais interessantes em Jane Austen é como ela pode naquela época imaginar obras tão ricas e tão diferentes umas das outras, sendo que ela vivia “naquele mundinho”!

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  3. Desconhecida's avatar Adriana Zardini 14/05/2013 / 11:59 PM

    Eu acho o Michel um fofo! Rapaz super romântico e pé no chão! Sorte da namorada dele!

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  4. Desconhecida's avatar michel 15/05/2013 / 8:53 PM

    Muito obrigado, meninas, por palavras repletas de tantas gentilezas! Que bom saber que há pessoas que comungam da mesma opinião que a minha a respeito de Fanny Price! Que bom saber que há pessoas que “trocaram suas lentes” para fazer uma releitura de Mansfield Park após não terem tido uma boa impressão na leitura inicial! E que bom saber que há pessoas que continuam discordando veementemente da defesa que faço da doce e querida Fanny! Ainda discutiremos muito a respeito! Que venha o próximo Encontro Nacional, em que comemoraremos o bicentenário de Mansfield Park!!!

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  5. Desconhecida's avatar Adriana Zardini 15/05/2013 / 8:58 PM

    Michel, eu não vejo a hora de começarmos a planejar o próximo encontro! Falar sobre Mansfield Park será um prazer, ainda mais com pessoas que amam o livro de paixão!

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  6. Desconhecida's avatar Fernanda Huguenin 28/09/2013 / 1:36 PM

    Adorei o texto,e corcordo com muito do que foi dito nele,acho errado os fãs de Austen terem desprezo pela Fanny por ela não ser uma “Lizzy Bennet” rs. E é tão raro encontrar resenhas e opiniões positivas sobre o tão polêmico “Mansfield Park”.Meus parabéns ao Michel pelo belo texto!

    Esse ano tive a chance de conhecer essa carismática personagem, não pude finalizar a leitura do livro,sem ter ficado um pouco indignada com alguns fãs que reprovam o enredo de Mansfield Park! gostei tanto do livro,que esta em meus prediletos da escritora. 😀

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  7. Desconhecida's avatar Adriana Zardini 30/09/2013 / 12:05 PM

    Fernanda, vc está certa! Mansfield te cativa aos poucos, não é arrebatador como O&P. Mas tem seu lugar, principalmente se tivermos olhos atentos para as nuances na narrativa, que Jane faz tão bem!

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  8. Desconhecida's avatar Biazinha 30/09/2013 / 2:16 PM

    Já declarei meu amor a essa coluna,e ele só aumenta,Michel discorreu muito bem sobre Mansfield Park e deixa sua marca.

    adorei a parte: “Mansfield Park é um romance que trata sobre a resiliência e a pureza de coração de sua jovem heroína. Fanny Price sabe suportar pacientemente todo desdém, humilhação e negligência…”

    Ele resumiu a obra de maneira perfeita e nos faz ter vontade de correr para reler o livro no mesmo instante.

    Essa coluna precisa continuar.

    Sempre aprendo muita coisa com ela.

    Parabéns Michel !!!

    bjssss

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